PORQUE RAP E BOLSONARO NÃO COMBINAM
- Igor Morais
- 27 de out. de 2018
- 6 min de leitura
Esse texto é só uma pequena viagem pelas letras do Rap Nacional, mostrando o porque não tem como entender a mensagem passada e gostar de Bolsonaro ao mesmo tempo.

Esse texto não tem a intenção de ser uma profunda análise. Somente quero demonstrar as contradições entre o discurso de Jair Bolsonaro e as letras de Rap Nacional, já que tenho visto muitas pessoas na internet ligando a cultura a esse candidato.
Sabemos que a música Rap é o gênero que mais cresce em todo mundo, e como vivemos em um mundo extremamente capitalista o Rap também se tornou um produto. Mas antes de tudo, o Hip Hop é um movimento negro, popular, oriundo dos guetos e que luta em favor dos oprimidos. Estamos em um momento critico da nossa democracia, já que vemos a acensão de um candidato que é claramente racista, homofóbico, machista e contra as classes mais pobres. Tudo isso pode ser visto nesse vídeo abaixo:
Bom, se mesmo depois de ver todas essas porcarias faladas você conseguir achar algum ponto em comum entre Rap e Bolsonaro vamos dissecar esse vídeo através das letras de Rap. Veremos que o Hip Hop e esse sujeito nada tem a ver.
Vamos voltar as origens do Hip Hop primeiramente. Você sabia que o movimento nasceu depois de um acordo de paz entre várias gangues de Nova York? Especificamente na área do Bronx, local onde moravam negros e latinos, que foi marginalizado pelos governantes dos Estados Unidos. Para se protegerem, o povo se dividiu entre gangues. Após a morte de um importante membro da gangue Ghetto Brothers todas as gangues selaram um acordo de paz. A partir desse momento que o Hip Hop surge. Ou seja, o Rap nasceu da paz, apesar de ter crescido a força na violência. Pesquise e verás.
No Brasil o Rap não perde esse peso do protesto, ainda mais por ser um país que é historicamente desigual e preconceituoso. Poucos detêm muito, e muitos detêm pouco.
Já no começo do vídeo Bolsonaro faz apologia a tortura, a violência e a ditadura militar. No Brasil foi um período que durou de 1964 a 1985. Esse regime foi repressor e sangrento, já que a violência foi institucionalizada. O seu "ídolo" é Brilhante Ustra, torturador da ditadura e que infelizmente até hoje não foi punido de forma alguma. Em outros países como Chile e Argentina há a busca para que todos os militares da ditadura sejam levados a julgamento, coisa que não acontece no Brasil, apesar de haver uma comissão da verdade para o tema. Para Bolsonaro a ditadura não matou o suficiente. O Rap nunca compactuaria com um governo ditatorial. É só ler o verso de B Negão, na época no Planet Hemp, na faixa Contexto:
Parece que a fala de B Negão é atual, mas não, ela é de 2000. Ele entende que o brasileiro ainda está sob efeitos da ditadura, o que o impede de ver o real perigo a sua frente. Isso porque a memória da ditadura trabalhada no Brasil é muito fraca, o povo não entende o quão grave foi e é uma ditadura para a nossa frágil democracia. Bolsonaro é o lobo em pele de cordeiro, mas grande parte dos brasileiros acreditam que ele seja a melhor opção. É como se B Negão estivesse descrevendo Bolsonaro e seus eleitores, que em partes não compreendem estar acariciando o lobo. Penso que o governo e a grande mídia sejam os maiores culpados pela nossa falta ou distorção de conhecimento desse período. A Globo foi uma das apoiadoras da ditadura, e quando o regime terminou ela não fez muita coisa para que o brasileiro soubesse a realidade dos fatos. A real é que esse foi um período de censura, de violência, de derramamento de sangue. Quem pensasse diferente era tratado como inimigo. Assim é a forma de Bolsonaro agir, ele não aceita quem vai contra o que ele pensa. O Rap, que é uma expressão de todo um povo, teria voz ativa durante um governo assim? São questões que nós, como fãs desse genero musical, devemos nos fazer.
Em outro momento do vídeo Bolsonaro é claramente homofóbico, trata a comunidade LGBT com desprezo e com preconceito. Para ele filhos que são gays devem levar "palmadas" para virarem homens, ele acha que o seu sangue é melhor somente por ser heterossexual. O Rap é ainda um espaço machista e preconceituoso, mas há pessoas que estão quebrando isso através do próprio rap. Caso de Rico Dalasam, rapper, negro, gay, que entende que o Hip Hop é um movimento de todos. Em sua música Aceite-C ele manda esses versos no refrão:
Rico mostra que ele é desse jeito, não é uma opção, ele simplesmente é, não tem como ser outra pessoa, e a dica que ele deixa é que "Aceite-C", tanto quem é, quanto quem não é. O fato de Rico se afirmar como um MC LGBT, bem sucedido, mostra que o Rap não pode continuar sendo excludente nesse aspecto. Se Rico escolheu o rap e vice-e-versa é porque eles tem muitas coisas em comum. A questão é sobre respeito, coisa que Bolsonaro não entende. Rico Dalasam é por si só simbolo de resistência e representatividade, para que pessoas que são como ele possam aparecer cada vez mais, tanto dentro quanto fora do Rap.
Bolsonaro ainda se mostra totalmente desrespeitoso com as mulheres, ele acha que elas devem ganhar menos simplesmente pelo fato de serem mulheres ou acha que a luta por direitos iguais seja mimimi. Na cypher Rima Dela, Alinega manda essas rimas contra quem abraça essas ideias:
A MC mostra que esse papo de meritocracia num lugar tão desigual, em todos os sentidos, como o nosso não existe. Pois homens como Bolsonaro, que são brancos, héteros, machões, são privilegiados pela sociedade, pelo sistema. Portanto eles falam o que querem e todo mundo acha normal. Claro que no caso do verso, ela está falando sobre o espaço do Rap, onde homens que não são verdadeiros obtém mais sucesso e privilégio somente por serem homens. Mas a rima pode ser ampliada a vários níveis. A cypher toda é uma canção de resistência das mulheres contra esse rolo que as oprime, principalmente as mulheres negras, que são quem tem um alvo maior nas costas. O Rap não está livre do machismo, mas a mudança chega de uma forma ou de outra. Além do mais, o que tem de mulheres MCs fodas na cena não dá nem pra contar.
Por último, vemos que Bolsonaro é claramente um sujeito racista e que está contra os mais pobres. Ele fala que um filho dele nunca sairia com uma negra, no vídeo ele diz que os afrodescendentes pesam em arroba, medida usada para gado. Como um futuro presidente poderá governar para o povo desse jeito? É por essas e outras que o Rap, uma música de origem preta nunca vai estar do lado de um cara racista como esse. Muitos relativizam as falas de Bolsonaro, mas um verso de BK' resume tudo isso:
BK' sabe que pessoas como Bolsonaro sempre irão falar que não são racistas, até porque no Brasil ninguém é né? Mas a real é que o racismo no Brasil existe, só que de forma velada, "escondida". O mais surreal é precisar falar que existe. No caso de Bolsonaro, ele já deu declarações que mostram que seu racismo de velado não tem nada. Na música acima, que se chama Take Your Little Vison, o MC carioca mostra que tentam silenciar o negro de todas as formas, matando, violentando, tentando embranquecer a família e a cultura negra. São diversas as formas de violência usadas contra as pessoas negras. E tudo isso é histórico, vem desde a escravidão, que nos deixou esse legado horrível. Bolsonaro nunca foi uma pessoa que se importou com o genocídio negro, pelo contrário, ele quer dar carta branca para a policia matar. Sabemos quem mais sofre na mão da polícia. A cada 28 minutos morre um jovem negro no Brasil. Seja quem fez Rap nos anos 90 ou atualmente sabe que esse sujeito não está do lado das pessoas pobres, das pessoas que são oprimidas.
Se mesmo depois de ler isso tudo, você ainda se abster das barbáries que o Bolsonaro fala, os Racionais tem um recado pra você:
Em suma, o rap nunca vai apoiar torturador, ditador, racista, opressor, preconceituosos de todas as formas. Essas são alguns poucos dos milhares de Raps que vão contra tudo que esse sujeito prega. Fica ainda o vídeo aqui em baixo do Rap pela Democracia:
O Rap canta e sempre cantará, pelo pouco que sei, pela liberdade. Agora se pergunte, onde as ideias de Bolsonaro tem relação com o Rap?
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