Dia da consciência negra, educação e rap
- Igor Morais
- 20 de nov. de 2018
- 7 min de leitura
Sou aluno de História da UFOP e esse post vem com o intuito de mostrar uma aula de história sobre o fim da escravidão que dei nesse mesmo dia do ano passado.

Sou aluno de História da Universidade Federal de Ouro Preto, campus do ICHS em Mariana - Minas Gerais. No ano passado, também no dia 20 de novembro eu dava minha primeira aula da vida. Dei aula para um turma do 7° ano da Escola Estadual Dom Benevides. A aula foi sobre o fim o escravidão, meu objetivo era desmistificar a figura da Princesa Isabel como salvadora dos escravos. Além disso, usei do samba para mostrar como o genero, que é negro, foi usado para exaltar a princesa branca. Usei também o rap como forma de abordar assuntos atuais, como racismo, desigualdade social, raiva, herança de mais de 300 anos de escravização dos negros. O objetivo desse post é poder mostrar também a importância da consciência negra, do porque comemorar no dia da morte de Zumbi e o porque de ser uma data que é sinônimo de resistência.
Se puderem antes vejam esse vídeo do canal meteoro falando sobre Zumbi dos Palmares:
Esse é uma das partes do meu relatório final do estágio, que mostrar a forma que a aula foi dada.
Gostaria de fazer uma breve introdução sobre a minha aula, apresentando alguns dos objetivos que procurei alcançar, de que forma eu pensei e procurei estruturar a regência, a temática étnico-racial e tudo o que compôs o processo de criação e execução da aula. O assunto abordado foi o fim da escravidão, com ênfase na desconstrução da imagem da Princesa Isabel como salvadora dos negros escravizados e dos senhores brancos como os homens bons que libertaram os mesmos. Como apresentarei durante todo esse texto, eu quis conversar com os alunos sobre como eles compreendiam a escravidão, a vida dos escravos libertos após a abolição, o imaginário que povoava sobre todos ali dentro de sala. Desde o primeiro momento busquei compor minha aula com bastante diversidade de documentos, levei imagens, letras de música, a exposição do conteúdo, com o intuito de tornar a aula mais dinâmica, diferente do que eles estavam acostumados. Penso que essa variação de linguagens conseguiu prender a atenção da maioria dos alunos, cada qual com suas peculiaridades. Outro ponto foi o debate, tentei aproveitar ao máximo o conhecimento prévio de cada um, conversar, ouvir suas experiências, creio que foi importante para a aula fluir de maneira mais natural, mais tranquila, já que era uma turma bastante agitada. Algo que tornou ainda mais especial a regência foi ela ter sido justamente no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra.
Comecei contextualizando historicamente a vinda dos africanos para o Brasil colônia, como se deu esse processo, a vida dos escravizados aqui, a causa da busca por esses homens no continente africano, para logo em seguida entrar no processo gradual que foi a abolição da escravatura. Coloquei no quadro as datas da Lei do Ventre Livre, da Lei do Sexagenário e da Lei Eusébio de Queiroz, expliquei desde o começo da pressão inglesa, a causa política por trás, até chegar às conquistas dos movimentos abolicionistas da época com essas leis. Indaguei os alunos sobre a concepção que eles tinham de escravidão, de escravo e como foi o pós-abolição. Eles responderam quase todos da mesma maneira, eles tinham em mente que os recém-libertos iam sair para comemorar, que a partir daquele momento a vida deles voltaria ao “normal”, mas não era bem assim. Em seguida falei sobre a Lei Áurea, sobre a Princesa Isabel e todo o imaginário que tinha sido criado em torno dela, de que ela foi uma “salvadora” dos escravos. Lemos juntos também um samba de 1948, chamado Salve a Princesa Isabel, que exaltava e mostrava a imagem salvadora da Princesa, viva entre a população mesmo no século seguinte. A partir desse momento comecei um processo de desconstrução desse imaginário, tentando construir outras imagens na cabeça dos estudantes. A questão de o Brasil ter sido o ultimo país a abolir a escravidão foi um dos meus argumentos para mostrar que já não havia mais saída para essa questão, não tinha mais para onde “correr”. Outro ponto foi expor o fato de os brancos quererem apagar os líderes da resistência negra para substituir por uma Princesa, branca, que não tinha mais como sustentar aquela forma de trabalho naquele tempo, tanto pelas diversas pressões internacionais por parte dos países industrializados, quanto pelo árduo e longo trabalho dos diversos movimentos pró-abolição. Apresentando memórias diferentes da que é difundida entre o imaginário coletivo, o meu propósito foi que eles absorvessem que houve resistência, que os abolicionistas foram muito importantes, mas que muitas vezes certos signos são construídos historicamente e por parte de quem vence.
Juntamente a isso, trabalhei para apresentá-los ao “mito da democracia racial” que está presente no texto sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 2004 e também no texto de Martha Abreu e Hebe Mattos sobre as mesmas Diretrizes. Este mito dissemina a ideia de que os negros só não chegam a classes sociais maiores por não correrem tanto atrás, sendo que a realidade é que se você é preto hoje em dia no Brasil tem que se correr duas vezes mais. Busquei que eles pudessem compreender que parte da população quer passar a representação de que o Brasil é um país sem preconceitos, não racista, que vive em harmonia racial, sendo que a realidade é diferente. Os próprios alunos concordaram comigo, contando que o racismo acontecia dentro da sala de aula, entre os próprios colegas, outra questão que é tratada nos dois textos que citei, em uma passagem está escrito que o racismo pode não começar na escola, mas passa por ela, reflete dentro daquele espaço. E por isso a importância das políticas públicas voltadas para o âmbito educacional como é abordado no texto. Expor aos alunos a ações de valorização, orgulho, reconhecimento em relação à identidade, cultura, religião, ancestralidade dos negros, é um dos caminhos para se chegar até o respeito, a tolerância, a igualdade. Isso também vale para a cultura indígena.
Marcelo Abreu e Marcelo Rangel abordam em seu texto Memória, Cultura Histórica e Ensino de História no Mundo Contemporâneo, que no ensino de história devemos ter uma tendência mais democrática, onde as diferenças possam coexistir. Como professores e historiadores podemos ser guiados por diversas narrativas, para formar o “cidadão participativo”, termo usado por Christian Laville, que entende o ensino como uma prática que deve visar o aprendizado. A pluralização do conteúdo e da memória é outro ponto presente no texto, pois segundo os autores a partir da metade do século XX houve a tendência à democratização, que fortalece mais uma vez as diferenças, a diversidade, fomenta a memória com o objetivo de pluralizar e não unificar. Esse foi um dos meus alvos durante minha aula, mostrar as diversas narrativas, documentos, memórias, para a compreensão de que é imprescindível saber conviver com as diferenças. Levar imagens para poder ilustrar os meus conceitos, conteúdos, serviu muito bem ao meu propósito de dinamizar e ilustrar a aula. Apresentá-los a diversas formas de resistência negra na colônia, o Quilombo dos Palmares, movimentos abolicionistas, as fugas, a desobediência, a personagens como Zumbi, Dandara, e a resistência contemporânea, a música negra, as religiões de matriz africana, a culinária, a cultura em geral. Chega a ser um choque um professor chegar dentro da sala de aula e falar que ninguém deve se sentir inferior porque é oriundo de periferia, mesmo muitos deles morando em regiões mais periféricas, já que eles são condicionados a pensar que são menos porque moram em uma região de classe mais baixa da cidade. A experiência pessoal de quem sofre com isso no dia a dia também foi essencial, como por exemplo, o caso do aluno que tomou um “enquadro” da polícia pela cor da pele. Aproximar a realidade dos alunos com o ensino de história fez com que eu ganhasse a atenção da maioria, valorizar a narrativa de cada um, a linguagem de cada um fez com que eles quisessem expor algumas das coisas que eles já passaram e passam ainda hoje. Isso pra mim foi uma forma de pluralizar, pelo menos dentro daquele espaço, as múltiplas memórias.
Para a conclusão da aula li com eles a letra toda da música Boa Esperança de Emicida, uma canção de rap que ressalta a questão do racismo, de seus antepassados, da contradição dos brancos, de certa raiva pelo sofrimento passado todos os dias, pelos estigmas, estereótipos, entre outras diversas questões ligadas a população negra e de favela. A meta dessa leitura foi ressaltar todas essas discriminações conectando com fatos recentes da realidade brasileira, como o processo de Rafael Braga, preso por “portar” uma garrafa de pinho sol em 2013, diversos casos de intolerância religiosa, a morte de um jovem em Ouro Preto pela Polícia Militar. Foi a maneira que achei ao mesmo tempos de valorizar dentro da sala de aula a cultura vinda dos guetos, feita por quem sofre ou já sofreu o preconceito. Creio que é de suma importância tratar todas essas questões, e iremos, mas concordo também com a visão de Mano Brown, membro do grupo Racionais MC’s, em sua entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, em que ele diz que os negros hoje em dia querem falar de outras coisas, querem buscar e falar de novidade, querem ser “hype” também. Por fim penso que devemos passar isso também para os nossos alunos, pois eles querem coisas novas, não deixando de lado o passado, toda a história que envolve a sua identidade, seu país, sua cultura.
Por final é importante lembrar que o Dia Consciência Negra é um feriado que celebra a resistência. Quem mais resistiu durante a escravidão foram os escravos, não a Princesa Isabel que não fez nada além de assinar um documento. Nem abolicionista ela era. É por isso que houve a grande reivindicação dos movimentos negros para que esse feriado fosse na data de morte de Zumbi dos Palmares. Líder do maior quilombo de resistência do Brasil.
Busquem informação, pois é importante. Leia como surgiu a ideia da data aqui: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/11/grupo-que-idealizou-o-dia-da-consciencia-negra-teve-de-dar-explicacoes-a-ditadura.shtml
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