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Os gigantes estão mais perto do que nunca

  • Foto do escritor: Igor Morais
    Igor Morais
  • 30 de out. de 2018
  • 9 min de leitura

Review sobre as mixtapes que preparam terreno para Gigantes do MC carioca BK.

O tão esperado (pelo menos pra mim) Gigantes de BK sai amanhã, dia 31, em todas as plataformas digitais. Como está bem perto, resolvi fazer uma pequena resenha sobre as mixtapes que ele lançou e que precedem o álbum. Sem mais delongas, essa é minha interpretação sobre essas músicas.


A primeira mixtape é Antes dos Gigantes chegarem Vol 1. Como o título mostra BK é bastante conceitual, e essas mixtapes falam realmente sobre antes que o Gigantes (disco), e tudo que virá com ele, chegue. Essa primeira mixtape, como ele mesmo já disse, é uma mistura de um pouco do que ele fez em seu primeiro disco, do que ele fez na mixtape da Pirâmide e por ai vai.

A primeira faixa é Top Boys, que fala sobre a realidade das ruas do RJ, do tráfico, do crime, da violência. BK falou pelo twitter que a música foi inspirada na série britânica Top Boy, em que a história gira em torno do tráfico no conjunto habitacional de Summerhouse. Na série vemos varias vidas e mortes sendo interligadas pela criminalidade. O que estão lá querem ser maiores, quem está de fora quer entrar, crianças e inocentes são envolvidos e tudo fica nesse ciclo vicioso. É uma série muito interessante, ainda mais por se passar na Inglaterra, além de ser bem rápida de ver. Está na Netflix, mas dá pra baixar na internet. É muito interessante como o crime tem coisas parecidas em qualquer parte do mundo. Na música, penso que BK se coloca no meio daquele caos, já que ele vive no narco-estado miliciano petencostal do RJ (termo usado por Don L). Ou seja, mesmo não envolvido no crime, ele e as pessoas ao redor dele convivem com o mesmo. Então ali ele conta que as gramas pesam nas notas, geram dinheiro, mas que na verdade é tudo ilusão, vai ter sempre um esperando quem ta no topo da cadeia morrer, para tomar o seu lugar e assim em diante. Esse é um dos meus versos preferidos: "Tem gente que faz, tem gente que vende, tem gente que compra, tem gente que dá a vida". BK mostra que é uma estrutura, com gente que morre por conta disso, e sabemos que a corda sempre puxa pro lado mais fraco, que é o lado do preto, do pobre, do adolescente. O MC canta a realidade, por mais feia que seja, mas ele quer que o som dele seja pra conscientizar, já que o dom dele é cantar a liberdade. Ele aborda também quem fala que é crime, que glamouriza a criminalidade, mas na verdade só sabe dos crimes que sofreu. Por fim da canção ele vê como isso é tóxico, assim como na série de TV, é "crack na lata do suco do bem". O beat da música é, pra mim, bem agressivo, com bastante grave, casando com o tom da letra.

A segunda faixa é Take Your Little Vision, ela fala basicamente sobre racismo e as contradições do rap, da nossa sociedade e de nós mesmos. BK começa cantando que ele é o fantasma dos seus antepassados, os que foram trazidos da África e foram escravizados aqui no Brasil colônia. Ele está assombrando essa sociedade racista atual, mas que na verdade precisa se atualizar, pois parece que parou no século dezoito. O pior, e que BK sabe muito bem, é que o racismo no Brasil é velado, os brancos acham que não existe, só que no fundo eles odeiam as pessoas pela cor de pele. E ele mostra que tudo isso acontece, e acontece aqui dentro. Umas das melhores linhas dessa música é: "classe média não percebe que é peão do mesmo jogo, e acha que perde espaço nas conquistas do meu povo". BK é muito consciente que no Brasil existe uma classe média, que se acha elite, mas que na verdade é manipulada pela verdadeira elite, que são os grandes homens ricos e milionários desse país. Essa classe média pensa que é rica, mas na verdade não passam de peões do jogo, pois os "Reis" são outros. Ao mesmo tempo são essas pessoas que sustentam essa estrutura racista no Brasil. O sociólogo Jessé de Souza explica isso em seu livro A Elite do Atraso, que pode ser achado na internet para baixar. Além disso, tudo escrito acima explica essa guinada da direita no mundo, como você pode ver nesse vídeo aqui. O rapper carioca ainda fala da tentativa de branqueamento e apagamento das famílias negras. Isso é histórico, pois um dos motivos para o governo abrir o país para imigrantes brancos europeus virem em massa para o Brasil, na transição do século dezenove para o vinte, foi para que houvesse um processo de branqueamento no país. Para além, BK canta sobre os falsos mcs, que estão no rap pelo ter, ele demorou um tempo até perceber isso. Há todo um hype em torno do gênero no mundo todo, isso faz com que pessoas estejam de olho no rap só pelo produto, se esquecendo que há toda uma cultura que deve ser respeitada. Mas o MC carioca se coloca como real, que vai buscar algo melhor do que tudo isso. Nessa música ele já começa a entoar que os gigantes estão chegando. Penso que esse é um beat mais calmo, que deixa BK a vontade para deslizar com seu flow lento e cadenciado.

Na terceira e última faixa, Deus das Ruas, penso que BK fez de forma mais de gastar. A track não segue um raciocínio, são varias coisas que a gente vai pegando a visão. Ele fala de vida, peso das escolhas, estrada, grana, sentimento e por ai vai. Essa é a faixa que eu gostei de primeira, o MC vem naquele flow tranquilo, que eu gosto bastante, você consegue entender o que ele ta dizendo. Todas as tracks são sobre ele, mas penso que essa tem um tom de pessoal a mais, eu não sei bem o porque. Ele canta que hoje em dia ele chegou num patamar que ele corre, não da policia mais, mas para não perder o voo. Isso é representativo. Ele vê que os meninos da quebrada querem ser os heróis do bairro, mas acaba se perdendo pelas drogas. Em resumo, são várias ideias que BK parece estar tendo durante um devaneio, ou depois de acordar bêbado sozinho.


O segundo trampo é Antes dos Gigantes Chegarem Vol 2. Esse pra mim já é mais redondo que o outro, no sentido que é que prepara mais o terreno para o que é ou o que pretende ser o disco Gigantes.

A primeira track é Antes dos Gigantes Chegarem, com participações de Juyê e Luccas Carlos. O começo da música é bem tranquilo, BK é mais melódico na primeira parte da música. Essa primeira faixa o rapper carioca já falou em um vídeo, da Genius Brasil, ser bastante pessoal. Pois parece que BK está falando de uma mulher que ele gosta, que em dado momento aquela "relação" sofreu um impacto devido a correria de BK pra produzir esse disco. "Antes dos gigantes chegarem/ antes que eles no afastem/ e multiplique os que me assistem/ nosso certo virar incerto/ eu peço que fique por enquanto". Esse verso mostra que o MC ta focado no seu trampo, confia no que faz, sabe que é bom e quer cada vez expandir mais. Ele tem confiança de que o trabalho dele vai virar cada vez mais, ele tem sede por isso, mesmo tendo lançado um primeiro disco muito acima da média, ele quer se superar. Entretanto, a fama, o sucesso tem um certo preço a se pagar. BK pagou, pois ele teve que deixar pra trás a pessoa que ele gostava no momento. Só que ele não pode temer isso, ele não pode ter medo de algo que ele ta correndo atrás. E não é só questão da fama, do dinheiro, mas de fazer sua arte chegar a todos os ouvidos que ele puder. Ser representativo. E quando a música vira para a segunda parte, ele já vem cantando de forma mais imponente, ele quer mostrar que nada vai fazer ele parar. Ele quer que a arte dele chegue o mais longe possível, mas sem que o coloque rótulos, se for pra colocar numa caixa que seja de som. Ele canta que sua arte é alimento, mas não um macarrão instantâneo e sim um prato caro e raro. Sua arte é para ser saboreada, devagar, assim como uma obra de Basquiat. Pra mim o melhor verso é: "vocês falam que meu jeito de viver mata/ até parece que vão viver pra sempre/ eu vou". O rapper manda um recado pra galera que vive hateando o jeito que ele vive, como se todo mundo fosse imortal, o que não é. Mas BK vai viver através da arte que está produzindo. Então, ele e Juyê (que canta muito) entoam no refrão que nada irá fazê-los parar. É muito interessante quando BK faz suas analogias, ele enxerga as ruas como as mulheres que ele amou, o mundo como a sua sala de estar. O que ele se mostra estar nessa segunda parte da musica é a vontade. Ele quer viver isso, ele é ambicioso, ele é um homem negro, que quer ser real e ser representativo para o seus fãs, para quem o assiste. Em um determinado verso ele fala que ama armas, e essa é a minha critica ao rap de um modo geral, que ainda tem essa coisa com as armas. Claro que vivemos numa realidade violenta, mas penso que esse é um momento pra tentar deixar de lado isso. Não sei explicar, mas é isso. Em suma é como canta lindamente a Juyè: Fé pra quem tem crença, sorte pros que se garantem.

Adeus, com parte de Akira Presidente é a segunda faixa. Nessa música os dois MCs mandam um papo reto com muita classe para o game e o público do rap. Muito se discute sobre ter uma parte do público do rap por "moda", pelo gênero estar hypado. Ainda mais vivendo num mundo que capitaliza até Jesus Cristo. Além disso, se criou um "game" em torno do rap, que talvez pode ser saudável até certo ponto, mas no fundo acaba criando uma competição fútil e superficial. Quando BK canta que "Quem não quer jogar sou eu/ Não vim aqui pra me rebaixar/ Chame alguém pra tomar meu lugar/ Não quero mais ouvir essas coisa sem sentido", ele parece estar cansado e iludido com esse mundo do rap game, mesmo sabendo que ele fomenta essa cena. Com muita elegância, na minha opinião, o rapper mostra que nem precisa pisar em cima dessas pessoas, pois a vida delas já é uma crítica a eles mesmos. Penso que ele está falando diretamente com o público e os rappers que estão no rap somente pelo game. Akira Presidente também parece não estar ligando pra esses caras que querem mais é chamar atenção. Ele canta que pra ele, eles são inofensivos, e que na verdade ele está preocupado com coisas mais importantes. Enquanto uns pensam em game, ele ta pensando em paz e sossego. BK volta bem agressivo, falando que "onde cês zoam uns tipo Frank Ocean/ Mas não tem metade do talento poxa". Frank Ocean é um cantor de R&B, negro, bissexual, que o rapper carioca usa de referência para mostrar que há a homofobia, mas as pessoas não chegam nem perto do talento do músico. Espero que BK e outros diversos MCs (Djonga já é agudo nisso) sejam mais incisivos em falar e ir contra a homofobia dentro e fora do rap. E durante todo o resto da música o rapper está mostrando esta contradição existente no rap, onde os fãs se acham donos do seu ídolo. Mesmo assim, BK se mantem focado, pois como diz se ele cochila, ele morre.

Terceira faixa, Almas pra mim tem o melhor beat, uma mistura de jazz, com MPB, e a segunda parte da música é muito boa, a voz da Juyè se encaixa perfeitamente no refrão, e o refrão se encaixa perfeitamente com a vibe da segunda parte. Na primeira parte BK ta rimando de forma confiante, promete pras mães que a dor do parto não será em vão, mesmo com várias pessoas testando sua fé, indo até o fim pra ver se o tal do ódio existe mesmo. E quanto mais a inveja cresce, mais ele cresce junto. Ele sabe que quando pessoas negras estão subindo de vida, mexe com a cabeça de quem não gosta de ver aquilo. O rapper ainda se mostra diferente das outras pessoas, pois onde as outras pessoas veem terror, ele vê além, ele enxerga algo bonito. Quando o beat vira, através de uma flauta transversal tocando, Juyè entra lindamente nesse refrão: "Eu pensava um jeito de me aproximar/ Te olhar nos olhos, saber de você/ E agora que estamos no mesmo lugar/ Tu não sai mais daqui, duvido". BK volta parecendo estar num estado onírico, ele está superando toda a marginalização que relegaram a ele, através de sua arte. Então a liberdade toma conta dele, ele não quer amarras, ele quer se sentir livre, vivendo o sonho de olhos bem abertos. Ele aparenta ter voltado a falar da mulher da primeira faixa, ele a reencontrou. Ela coloca ele pra cima: "Ela me puxou pela mão/ falou pra eu não temer/ Pra eu ampliar minha visão/ e o que e eu quiser posso ser/ ter certeza/ Somos jovens, o tempo tá a nosso favor/ Mas quantos mais desse tempo vamos aguentar sem amor". Ele pode estar falando tanto da mulher, quando da própria vida, a interpretação é de cada um. O fato é que sinto que BK se encontra nessa track, ele está leve nessa segunda parte, como num dia ensolarado, ouvindo uma melodia harmônica.


Esse é o o meu review do trabalho que antecede o disco que deve sair daqui a mais ou menos uma hora. BK é um dos meus artistas favoritos, mas muitos ainda estão por vir nesse blog. Enquanto o disco não sai, espero que curtam essa resenha ouvindo algum dos sons das mixtapes. A questão aqui não é falar mal ou ruim, ficar pontuando, quero só poder falar o que eu interpreto das obras dos artistas que tenho respeito. Obrigado.



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