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O espelho de DRIK BARBOSA.

  • Foto do escritor: Igor Morais
    Igor Morais
  • 19 de nov. de 2018
  • 7 min de leitura

Review sobre o EP Espelhos, lançado no mês de março de 2018.


Esse é o trabalho de estreia da carreira solo da MC Drik Barbosa, integrante também do coletivo feminino Rimas e Melodias. Drik é conhecida pelas rimas afiadas, só ouvir sua participação em Mandume, de Emicida, ou em Correria (Remix), que saiu no último disco do BK. Todo mundo que tá ligado na cena sabe que ela é foda. Esse trabalho só confirma cada vez mais isso. Mesmo sendo somente 5 músicas, pra mim pode ser considerado como um disco. Tem de tudo: rimas agressivas, flow foda, melodia, love song, participações especiais. Linhas que abordam o feminismo, o racismo, o machismo, e também a felicidade, o amor, a força da mulher negra. Apesar de ser um trabalho "curto", é bastante denso, trazendo todas as referências da MC. De Iza a Alice Coltrane, Drik vai apresentando o que a inspira também. As músicas tem uma ótima produção, com beats que variam do sintético ao orgânico.

Penso que antes de falar das faixas, devemos prestar atenção na capa e no nome do EP. Em uma entrevista para o site da Red Bull, Drik explica um pouco do título: "É algo muito íntimo o EP. Daí 'Espelho'. Sou eu trocando uma ideia comigo mesma. 'É assim que você tem que lidar com tal parada, Drik'. E espero que ajude as pessoas de alguma forma, como outros músicos fizeram por mim ao decorrer da minha vida.". Podemos ver que o trampo é algo bem dela mesmo, feito com amor, dedicação e consciência. E tudo isso ta colocado na capa, com ela dentro do seu Espelho. Em resumo, é um trabalho pra solidificar mais ainda a carreira da MC, além de servir como aprendizado e representatividade para as pessoas que vão sentir as faixas. Vamos então as tracks.

A canção que abre é Espelho, com participação de Stefanie, cantora que também faz parte do Rimas e Melodias, além de ser uma grande fonte de inspiração para Drik. Penso que a faixa fala sobre caminhada. Como Drik Barbosa mesmo já demonstrou, o EP serve de espelho tanto pra ela, quando pra quem ta ouvindo. Ela começar com essa faixa já mostra o que ela quer transmitir. Ela está na correria da vida, sempre de forma verdadeira e sincera, com coragem para alçar voos cada vez mais altos. Ela já conquistou muitas coisas e quer conquistar mais ainda. O que é mais interessante ouvir ela versando sobre sua vida mesmo, sobre como as dificuldades foram um combustível pra ela. "Nunca fui de ter dó/ sempre me curei só/ perdi as contas de quantas venci com meu suor". Ela mostra aqui como sempre seguiu nessa caminhada, se curando, sozinha. Claro que pessoas a ajudaram, mas ela vence suas dificuldades pelos seus méritos. Isso diz muito sobre a mulher, sobre ser uma mulher negra, que está sempre na luta, já que as coisas pra ela são mais difíceis, mas ela não é só isso, ela tem toda uma experiencia de vida própria. Ela sabe que o preconceito dói, mas vai seguir em frente independente de qualquer coisa. Drik mostra que o que deixamos de bom no mundo é o amor, por isso ela canta no refrão: "Por onde passei/ deixei rastros de amor/ Por onde passei/ em esquinas e vielas por onde passei/ Caminhos tenebrosos, eu sei/ Sim, eu sei/ O antídoto pra me curar". Stefanie chega com toda a elegância de uma MC que já ta no corre há um bom tempo para dar o toque final a faixa. Ela também fala de sua vivência, dos caminhos por onde passou, do machismo e assédio que sofreu, mesmo assim ela manteve sua postura, sua firmeza e ficou viva, viva para nos abrilhantar com suas linhas. Ela versa assim: "Lugares que fui/ hoje eu não quero mais voltar/ Vibe ruim que flui/ muito já senti em volta". Todo o instrumental da musica é muito bonito, mesclando as caixas e os scratches do hip hop com instrumentos mais orgânicos.

A segunda faixa é Banho de Chuva, que vem quase na mesma pegada da primeira, uma música intima, a organicidade misturada com as batidas, onde Drik aborda temas como dinheiro, caminhada, resistência, sua arte, entre outros. Deus é uma nota de 100 e já não é de hoje, Drik demonstra como é dificil viver num mundo que gira em torno dos bens materiais. Ela sabe que dinheiro é importante, mas sua arte, seu trabalho, sua vida vem em primeiro lugar. Quando deixamos o dinheiro fazer a gente, ai fodeu. Mesmo nesse mundo capitalista, ela segue resistindo, sendo uma cantora independente, que faz a sua arte do jeito que bem entender. Creio que isso se relaciona com o fato dela ter entrado pra Laboratório Fantasma, onde respeitam a sua forma de ser artisticamente. Ela poderia estar numa grande gravadora, mas que interferisse diretamente sempre no seu trabalho, o que ninguém gosta. Nesse meio todo, ela percebe como o tempo hoje em dia passa mais rápido: "Nossas crianças já não brincam mais/ forçadas a crescer/ inocência se vai". Ela vê que a felicidade está num simples banho de chuva, é essa simplicidade que ela quer buscar depois de todo esforço da luta do dia a dia. Para a MC é no simples que se encontra o feliz, essa é uma ideia que parece clichê, mas que a gente sempre acaba esquecendo. O que nos faz feliz é aquilo que a gente ama, não é algo que dinheiro compra, entretanto a gente acaba perdendo essa noção as vezes, muito por estar rodeado pela valorização do dinheiro, do ter. Drik tem consciência disso, ela ta sempre em busca das coisas que fazem sentido pra ela, no caso as rimas, a poesia, a escrita. Um simples sorriso de alguém que a gente ama é sinônimo de felicidade.

Inconsequente, terceira musica, é digamos a love song do EP. Ela já tem um clipe muito bonito, só clicar aqui para ver. Ela fala de um amor que encontrou, de alguém que ela está gostando, que a faz bem, que a trata bem. É uma musica direta e simples, que traz conforto, carinho, amor. Faz a gente lembrar de quem a gente gosta. O violão sendo dedilhado nos traz a sensação de paz. Essa canção é mais pra sentir do que ser decodificada. Ouçam. Sintam.

Antes de passar para a próxima faixa, vejam esse vídeo da própria Drik Barbosa "dixavando" a letra para o canal O Fino da Zica: https://www.youtube.com/watch?v=vvcnTE_tVFE

Camélia pra mim é o ponto mais alto das 5 faixas, traz toda força e a agressividade das rimas de Drik. O beat também é bem pesado, claro para combinar com a letra. Eu não sabia da história da Camélia ser uma flor que era usada por abolicionistas, como forma dos escravos fugidos identificarem uma ajuda. Mas essa história que a MC traz na sua música é sensacional. Por isso é interessante buscar sobre as histórias das canções. Drik traz toda uma memória só com o nome de sua música, uma memória que não aprendemos muito na escola, uma memória da escravidão, dos negros. Geralmente há a tentativa de apagamento dessas histórias. Quando Drik leva isso em sua música, ela está mostrando conhecimento, mostrando a história de homens e mulheres escravizados que não puderam escrevê-la. Isso não quer dizer que não ha um legado dessas pessoas. A MC de São Paulo quer ser representativa assim como é a Taís Araújo, ou como foi Xica da Silva. É muito interessante como ela usa essas referências. Xica da Silva foi uma ex-escrava, que se tornou uma das mulheres mais ricas de Minas Gerais. Ela sempre foi olhada com preconceito por ser uma mulher negra e ter chegado a um status social tão alto. No século dezoito era raro ver um negro ascendendo socialmente. Xica da Silva se tornou famosa justamente por isso. Suas festas eram famosas, luxuosas, Xica foi única em seu tempo. O que Drik quer é justamente inspirar outras mulheres a se soltar dos "grilhões" dessa sociedade que as oprime, assim como fez Xica da Silva e como faz Taís Araújo. Por isso ela canta no refrão: "Camélias dão voltas no mundo/ Tirando as correntes dos punhos/ Não sou mais escrava do mundo/ Não sou mais refém desse mundo/ não". Se você quer conhecer mais da história de Xica da Silva, veja o filme de 1976, do diretor Cacá Diegues, sobre a vida dessa grande persona, só clicar aqui. Essa é uma canção de auto estima tanto de Drik, quanto para o seu público. Ela não produz arte em vão, é pra ela e pra quem a ouve tenha a possiblidade de subir cada vez mais e mais. Em resumo, é todo um misto de referências históricas de representatividade para o povo negro. Drik segue o mesmo caminho de luta.

Fechando com chave de ouro Melanina, som muito dançante que conta com a participação do grande Rincon Sapiência, conhecido também como Manicongo, certo? Esse é um trampo bem pra cima, com o objetivo de jogar pra cima a auto estima de negras e negros. É uma música pra você escutar na noite, ou até na academia, porque é uma energia transmitida que não tem palavras que descrevem. Drik tá livre nesse som: "Vivona e vivendo/ hoje é chão chão, chão chão/ Se liga, jão/ Dona da minha vida, eu que escolho a direção". Ela ta na pista, ta vivona como ela mesmo canta, e traz consigo, na sua cor, algo que contrasta, que emite luz. Analisar verso por verso vai ser muito extenso, mas ela consegue juntar tudo de bom na sua letra, o gingado, a auto estima, a resistência, toda o peso da sua luta. É sensacional. Rincon chega com todo seu suingue para somar no som, rimando do jeito que só ele sabe. E novamente são linhas para inspirar quem vem de onde ele vem, ressaltando sempre a melanina na sua pele. Rincon trocou os grilhões por quilates, isso é representatividade. Drik fecha com seu refrão foda e sai dessa forma: "Não mexe com as mina/ não mexe com as preta na pista/ All day, miga!/ A ginga predomina/ a ginga predomina/ Melanina".

A direção musical e produção do EP fica por conta de GROU. Além disso, a última faixa Melanina também contém a produção de Deryck Cabrera. A produção é linda, soa muito agradável aos ouvidos. O EP saiu pela Laboratório Fantasma. Está no youtube e nas plataformas de streaming.

Queria deixar uma observação, algumas pessoas que Drik cita como referência: Nina Simone, Amiri, Rael, Iza, Alice Coltrane, Missy Elliot, Glória Maria, Negra Li, Frida Khalo, Kanye West, Beyoncé, entre outra diversas personalidades importantes, fiquem atentos, procurem.

Outra observação: feminismo não é mulheres terem mais privilégios que homens, é igualdade de direitos. Penso que o feminismo negro tem um corre maior ainda, pois sabemos que vivemos num país racista, herança de mais de 300 anos de escravidão. Se informem e respeitem a correria das mulheres.

Drik só confirma porque é foda, porque é uma das MC's de mais destaque da cena. Apesar disso eu compreendo que ela quer ir além do "game". Na real, ela não ta interessada no game, nessa disputa de egos, de saber quem é melhor. Ela é real Hip Hop, ela quer somar para a cultura, para as pessoas que a ouvem, principalmente pra quem é do gueto como ela é. Drik Barbosa é uma flor do gueto. Ororo da quebrada. Vida longa a Drik Barbosa e a quem ela puder inspirar. Vida longa e mais visibilidade as minas do rap.


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