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DJONGA CANTA PROS SEUS

  • Foto do escritor: Igor Morais
    Igor Morais
  • 21 de mar. de 2019
  • 9 min de leitura

Agora com uma trinca de discos, Djonga quer resgatar o que lhe é de direito.


Pra começar a falar do Djonga eu estava pensando o porque dele ser um dos rappers mais representativos da cena atual do rap nacional. Ouvindo esse disco é fácil de entender: é porque ele conversa com quem está ouvindo, ele fala com seus aliados e haters, fala até com ele mesmo, papo reto sem fazer curva. Eu tenho quase certeza que a sensação de uma pessoa negra, periférica, do corre ao ouvir e ver o Djonga é diferente. Porque eu como uma pessoa branca vou ouvir, vou chapar no som, vou entender, mas a sensação vai ser outra. Ele conversa com todo mundo, mas é principalmente para os seus iguais que expressa os seus sentimentos. É da gente que habita a sua mesma pele, principalmente, que ele quer (e já fez) mudar vidas. Menos importam as punchilines e mais o papo reto. A sua habilidade é dialogar com o ouvinte e você vai ouvir o que ele quer falar. É uma responsabilidade que ele mata no peito igual camisa 10 e não se esconde do jogo, seja na paz ou na guerra.


E é com um Hat-Trick que o Djongador brilha nos campos da música rap. 3 anos e 3 grandes obras. O conceito do disco já começa a ser mostrado desde o primeiro verso, Djonga foi pro mundo conquistar o que era seu, o que lhe foi tirado e ta voltando de mente e mãos cheias. E já que ele divide o que conquista, a alcunha de Deus lhe cabe muito bem. A questão é que o menino que queria ser Deus passou grande parte da vida sendo estereotipado e apontado como Ladrão, realidade que todo jovem negro já deve ter passado. A cultura branca e o racismo estrutural impõe esse estigma mais uma vez sobre os ombros das pessoas negras. Essa mesma cultura que busca o embranquecimento de artistas negros depois do sucesso. Além disso, o disco é um grande grito (nem tão gritado mais) Antirracista e que aponta as contradições das pessoas brancas. O rapper decide então usar isso de forma positiva, ele vai pegar o que é seu por direito, o que lhe foi tirado através dos navios negreiros, da escravidão, da marginalização, do apagamento de parte de sua ancestralidade e memória, e vai levar para os seus semelhantes. Ele vai levar auto estima, mas não um egocentrismo vazio, porque ele só se considera um Rei por viver entre Reis e Rainhas. Ele só é porque os outros também são. É uma ideia de coletividade negra que Djonga constrói nas suas músicas, união que quanto mais cresce mais se torna forte e sólida. Ao mesmo tempo que você ouve o rapper falando de suas vitórias "individuais" tirando sua onda, ele não tá satisfeito, a busca é por ampliar sem parar o numero de pessoas negras e periféricas ao seu lado, seja na arte ou nos negócios. Djonga entende muito bem seu papel de elo nessa corrente. O papo direto com seu público alvo é a sua forma de colocar a ideia na cabeça do ouvinte: faça dinheiro limpo, seja um empresário, não se esqueça de onde veio, roube honestamente, fuja do crime. A ideia é fazer com que os negros se sintam Reis e Rainhas não somente ao olhar no espelho, mas também ao ver o seu redor, e assim se dissemina também a sua ancestralidade.


O que eu entendi por esse resgate da ancestralidade pro Djonga passa principalmente pela sua família, pela figura da sua Vó, mas não somente, pois tem os seus amigos, os seus pais, tem a sua fé, tem o hip hop, frutos da diáspora africana. E como um bom historiador que é, sempre parte do presente. É do dedo apontado de hoje, é do racismo de 2019, é do genocídio de negros do século 21, que o rapper vai até o passado. Mesmo que ele não conheça toda a história dos seus antepassados, ele conhece uma parte, talvez a pior parte, e essa é a síntese do seu monólogo em hat-trick. Pegue o que é seu por direito para que pelo menos assim não seja em vão o sangue de seus ancestrais. É pelo hoje e pelo ontem que a luta do Mc está ancorada. E em sua Vó Djonga enxerga a ancestralidade do seu lado, uma mulher descendente de escravizados que quebrou barreiras atras de barreiras. Para além, a ancestralidade continua sendo construída, os tataranetos do rapper vão poder ouvir seus ancestrais. É devido a esse fato que eu enxergo também a intencionalidade em colocar essa figura representativa no centro do disco. E o disco é um lembrete pra ele também, de não se esquecer de olhar para os seus, não esquecer da sua essência. Não seria diferente, até porque Djonga tem mais raíz que um pé de abacate. É na batida de Bença que todo o conceito do album é explicado, o porque do nome ladrão, a importância de se chegar no topo, quando você chegar la o que você vai fazer, pra quem você vai fazer, pra onde você vai. São esses questionamentos e ideias que norteiam Ladrão.


O cerne Antiracista do disco estão, além de Hat-Trick, em Bené, Ladrão e Voz. Djonga vem com um flow bem diferenciado em Bené, uma mistura de boombap com trap, faixa que é quase uma carta para aqueles que estão no mundo do crime. Ele ta falando diretamente com os pequenos traficantes, aviõezinhos, aqueles que estão na base da hierarquia. Mostrando as contradições do tráfico, mais do que todo mundo ouvir a ideia é que se chegue nos ouvidos das pessoas certas. Em Bené as rimas são ilustradas, elas tomam forma como em um filme, mas os versos parecem mais com um documentário sobre as contradições e ilusões da criminalidade. A faixa mostra também muito bem o que é seduzente no crime. O resgate nessa faixa é dos manos que entraram ou estão em contato com essa realidade. Djonga entende todos os anseios desses jovens, ascender na vida de alguma forma, ter grana, poder, mulher, uma grande ilusão porque o dinheiro é sujo e quando o crime quebrar não vai sobrar ninguém. É por isso que o refrão é direto, "pega a visão, não vá se perder". É por esses que a caneta do rapper não para, essas vidas tem que serem salvas. O título da track é bem sugestivo, pra quem não conhece Bené é um personagem do filme Cidade de Deus, levanta um império juntamente com Zé Pequeno, mas sua vontade é de sair do tráfico, virar "playboy". O destino acaba sendo cruel com Bené. "Reis Africanos no Império errado, mal sabem que tem um Império herdado."A primeira missão desse ladrão é tirar os seus irmãos desse mundo.

Na faixa Ladrão nos é revelado o outro plano do nosso Robin Hood. Antes eu gostaria de mostrar que apesar da alcunha de ladrão ser imposta sobre o Djonga, é a cultura branca quem vive roubando os negros. Seja na riqueza explorando o território e o povo africano ou na cultura tentando embranquecer a cena do rap nacional por exemplo, os brancos buscam o domínio, de forma suja e desonesta. A legitimidade do rapper no uso do vulgo Ladrão como algo positivo vem daí, depois de tanto tempo sendo lesado, chegou a hora de tomar as coisas e os lugares que são dos negros. O plano é tomar a grana desses caras, tomar os espaços, sem contar nas verdades jogadas na nossa cara no versos. Os brancos ricos não sambem dividir, a classe média se acha superior, mas depois que um artista negro ascende todos eles querem uma foto ou querem reivindicar alguma ponta no trabalho da pessoa. Essa track é tão pau no cu da branquitude que cada a palavra versada pelo Djonga se percebe que ele nunca vai se moldar ao mainstream branco, é justamente o contrário. As linhas em que ele fala sobre sua arte são as melhores do disco, sua arte é pra incomodar (e já tem incomodado), vem pra ser indigesto, principalmente para esses brancos. É como um quadro de Basquiat, enquanto você ta terminando de entender 1, já vem mais 100 pra cima dos seus olhos. Um quadro de um negro pintado para os negros, cabe a nós brancos buscar sensibilidade para entender de fato essa arte.

Voz, faixa com Doug Now e Chris MC, é como aquele verso dos Racionais: "27 anos contrariando as estatísticas". E se esse som era pra ser só o beat ou o silêncio, na real são vozes eclodindo no tempo e no espaço. Doug Now chega escancarando toda estrutura racista da nossa sociedade, lembra do assassinato de 5 jovens inocentes com 111 tiros por parte de policiais militares. Quando um jovem branco milionário matou um ciclista ele foi absolvido. Ou seja, há uma seletividade tanto das pessoas que morrem, quanto das que vão ou não para a prisão. No Brasil há um encarceramento em massa de pessoas negras, mas quando PMs matam uma mulher negra arrastando-a pela viatura nada acontece. Mesmo no meio de tudo isso os três artistas negros estão vivos, construindo sua arte, privilégio conquistado. Chris vem num refrão bem a cara dele, cantando que eles vão continuar sendo quem são. Djonga permanece no raciocínio do som, de mostrar que está vivo, vivo pra mudar vidas. Um papo reto muito interessante é quando ele aborda que ser branco não é apenas a cor, mas é toda uma estrutura racista, de inferiorização das outras raças, de uma justiça seletiva, de uma educação seletiva, a cor é só uma forma de distinguir quem pode ou não. O rapper se coloca como um artista negro que tem uma postura totalmente contra ao racismo, sei que isso não é novidade, mas é sempre bom reforçar. Com esses artistas, iremos ver os pretos sem matar ou roubar no nosso jornal.


Mlk 4tr3v1d0 é uma música de Jorge Aragão que Djonga genialmente traz pra sua realidade, que não é muito diferente do samba, sendo cantada a capela. Essa canção traz tudo que Djonga apresenta no disco, a ancestralidade, pois o samba vem antes do rap, gênero que é filho dos escravizados. E como o rap, o samba teve que passar por cima de barreiras e esteriótipos, além de ter passado por uma tentativa de embranquecimento mais profunda. É feito então um pedido de respeito, respeito pelo rap, pela caminhada dos artistas, desde os primeiro até os que vão se suceder. Respeito também por quem faz o rap acontecer nas ruas, nas rodas, nas batalhas, ali é a escola do hip hop. Simplesmente foda a sacada do Djonga em colocar em música antes fechar o disco.


A última track do disco é Falcão, Djonga analisa o seu ano de 2018 e sua vida num geral, o ano em que finca os dois pés no rap e na música brasileira. O que eu achei mais foda dessa música é talvez a contradição que o músico se encontra, de estar no topo, de ta ficando rico, mas não poder trazer de volta os amigos que se foram, não poder parar com todo genocídio negro nos morros. Isso volta pra primeira faixa, que ele só é quando os seus iguais são. Só ele chegar no topo é inútil, se ele não tiver os Reis e Rainhas do seu lado, é por isso que há esse resgate, a busca por tomar de volta o que lhe foi tirado. Ao mesmo tempo que Djonga se identifica com os Reis e Rainhas, ele se identifica com os corpos negros sendo assassinados nas ruas, nas favelas. Mesmo alcançando parte do objetivo pessoal, ainda há o vazio causado pelo racismo estrutural. É por isso a necessidade de saber pra onde voltar, de saber olhar pra trás, pra quem olhar.


As duas loves songs são, pra mim, as melhores feitas por Djonga depois de SOLTO. Leal é hit, e Tipo é fora da curva, Mc Kaio manda muito no refrão, bem dançante, e Djonga ja chega foda nas rimas. É curtir escutando.


Deus e o Diabo na terra do Sol. Um dos sons mais esperados, que cada vez que eu escuto ela fica melhor. Djonga não fugiu do contexto político do país, abordou sobre a facada no "mito", aquela que ajudou a eleger esse desgoverno, e veio falando sobre os crimes socioambientais que estão assolando o nosso estado de Minas Gerais, tudo a custa do lucro, do capital, das empresas privadas. É esse mesmo capital que impede que Djonga veja mais pessoas de sua cor nos seus shows, tanto se fala em meritocracia, mas não há de fato se muitos vivem com pouco e poucos com muito. Se o rapper mineiro é Deus, Filipe Ret é o Diabo, muito antes de Baco. E "não é Eduardo e Mônica, é Brumadinho e Mariana", a gente não ta vivendo o romance de Renato Russo. É muito bom ver a volta do Ret pra além do rap que toca nas rádios, sua caneta tá mais afiada do que nunca, ele escreve e sabe colocar o seu flow em qualquer situação. Esse texto é sensacional para entender melhor a faixa: https://medium.com/@bauretsz_27534/ladr%C3%A3o-o-anti-her%C3%B3i-favorito-da-terra-do-sol-6ebdf8792d3


Duas coisas que fazem parte do disco e chamaram a minha atenção é a participação da banda Rosa Neon nas faixas 3, 4 e 10, que traz um toque diferente em cada track, mas que complementa o disco sem igual, ouçam no youtube. A outra coisa são os samples usados, em Ladrão tem o musicasso Guerreiro de Atitude do Mc Hudson 22 e na Falcão tem Romaria interpretada por Elis Regina, que parece ter sido uma influencia pro Djonga nesse disco. Todos os samples casam muito bem com as faixas, principalmente os versos que ecoam na voz de Elis, aliás a cultura do sertanejo tem seu lugar nesse disco e se relaciona com a vida dos negros no Brasil."Favela é o sertão". Tem também o áudio da Vó de Djonga mandando um recado para nós ouvintes, o disco foi inteiro gravado na casa de sua Vó, vem daí toda a aura das canções.


A capa é bem representativa, é o conceito do ladrão, do Robin Hood, levando o que lhe foi tirado, mas levando pra quem? Na capa está a Vó de Djonga sentada no sofá.


A produção fica por conta do Coyote Beatz e co-produção do Thiago Braga. A faixa Tipo tem beat do JNR Beats e Deus e o Diabo... de Fritz, o restante é do Coyote.

Obs: muito trap de mensagem.







1 Comment


Jonathan Ribeiro
Jonathan Ribeiro
Mar 25, 2019

Irmão, comentando aqui e partindo de dois princípios: Respeito ao seu review e respeito ao trampo do Djongador, no qual eu o parabenizo enormemente porque tem se mostrado um grande rapper, que, da geração atual, o que mais me faz lembrar dos grandes tempos da old school.

Eu discordo de vários pontos,e, sendo também negro e de origem pobre, tenho outros prismas de mundo e outra história para contar, normal, cada um é cada um. Mesmo discordando das próprias visões de mundo dos outros, no caso, djonga, respeito demais ele como exímio contador de histórias, o que pra mim é o rap, contar histórias, crônicas, relatos, contar ao mundo as coisas, msm que seja do seu jeito, sem filtros, isso…

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